26 setembro 2009


Meu homem-porto,
Que me liberta e acolhe,
Me assiste a ida e a tormenta,
E recebe firme a tempestade que me move.

Rosa Panerari

15 maio 2009

Ventoinha




Teus olhos ventando em propostas
Molhadas na tinta do retrato
A boca aventando amostras,
Girando no tempo,
Vetando a direção de seu foco,
Disparando cílios, lágrimas e íris.




Rosa Panerari

Natureza morta


Massa amorfa com uma dose de vida escondida.
Na vida os desejos contidos,
Os passos contados,
Contando as horas pro desfecho,
Fechando a cara pro tempo.
Somando os dias e contabilizando as perdas,
Medindo a miséria pra economizar.


Rosa Panerari

23 abril 2009

1/2

Estando de novo ao meio,
Ao meio de mim, duas medidas,
Em seu peso, com pesos distintos,

Estou no meu meio,
Naquilo que meio sei, meio invento,
Um inventário, de ventos idos,

Estão em mim os meios,
As metades sem par que me unem,
À parte do todo, partindo.

Rosa Panerari

02 maio 2008

Andares



Ela entrou. Apressada, olhando ao redor, sem, no entanto, focalizar nada. Esbaforida era a palavra, definia bem. Esbaforida, de uma forma tão escalafobética, que parecia que ela subia até o vigésimo de escada, descia tudo de novo, e apertava o botão do elevador, só pra ele a ver assim. E ele a via, sorria, esperava, mas ela raramente assentia, e quando o fazia, era como quem tivesse sido interrompido de um trabalho mental de concentração muito intenso, muito desgastante, e dizia, às vezes, - Ufa! Bom dia, nossa... Mas isso muito raramente, e quando o fazia, era normalmente procurando alguma coisa na bolsa enorme, alguma coisa muito bem escondida, soterrada, provavelmente, grudada e costurada ali, porque nunca que achava nada que procurasse daquela bolsa enquanto estivesse no elevador, ele nunca vira, ao menos, ela tirar nada dali.
Quando tinha muita gente no elevador, era a mesma cena, mais contida pela falta de espaço, mas sempre era a esbaforida e apressada mulher entrando. Era raro ter muita gente, normalmente eram só os dois e mais um ou dois, e quando ela entrava... Passava por ele deslocando o ar, deixando uma lufada do perfume de sempre, doce, quente, ela tinha cheiro de aconchego, um cheiro que lhe envolvia como uma nuvem, e o cegava como se fosse neblina; perfume que rescindia por curtos minutos após sua saída; ou ao menos, era o que ele achava, que eram poucos, pouquíssimos, e extremamente limitados, naquelas quatro vezes diárias, de entrada, almoço em ida e volta e saída. Torcia por reuniões externas, saídas, eventos, coisas que na verdade, raramente aconteciam, mas aconteceram durante um mês, há dois meses, e nesse mês, ele vibrava com a possibilidade de aumentar o número de vezes que a via por dia útil para seis, o que era maravilhoso. Quando ela saía, apressada, ele subia e descia até o fim, se não houvesse ninguém pra ir sentindo aquele cheiro, cheiro macio, cheiro de abraço.
Ele achava-a linda, um sonho, inatingível, como todo o grande sonho parece, com os cabelos longos e escuros, sedosos, batendo-lhe nos ombros, ele achava-a quase divina, ou mais que divina, até; por além de ser bela, trabalhar num escritório importante como aquele do vigésimo andar, estar sempre belissimamente vestida, como as outras executivas do prédio, ou melhor, melhor vestida que elas, ele achava sinceramente que ela se vestia melhor que qualquer mulher que já entrara naquele elevador.
Ele trabalhava como ascensorista ali já fazia dois anos, e soube que era ela desde o primeiro dia em que a viu entrar, soube que aquela era a mulher de seus sonhos, ao cruzar o olhar com o dela. Soube que queria passar o resto da vida com ela, e soube também que nunca poderia tê-la, nunca poderia sequer dizer-lhe mais que um bom dia, ou uma boa tarde, não poderia ter-lhe nada mais que os raros e tão raros sopros de ar perfumado, de vida.
Nunca lhe ocorreria perguntar-lhe o que achava da idéia de viver com ele, deixá-lo amá-la, era demais pra sequer pensar.
Nunca lhe ocorreria também, que Luíza, como estava escrito em seu crachá, desde seu primeiro dia no prédio, dia em que chegou esbaforida, por ter quase se atrasado para seu primeiro dia de trabalho, e entrou no elevador com pressa, notou os belos olhos e o belo sorriso daquele ascensorista, e ficou como que hipnotizada por alguns segundos, tantos quais sua timidez suportou, bem poucos.
Também nunca lhe ocorreria, que a moça entrava esbaforida todos os dias no elevador, porque ao sair do carro, antes de entrar no prédio, ela se penteava e se perfumava, pensando em deixar seu cheiro no elevador, para atrair-lhe a atenção, mas quando entrava e percebia seu sorriso, não tinha coragem nem de olhá-lo nos olhos, de tanta vergonha que sentia, e acabava abrindo a bolsa pra ter o que olhar. A intenção era entrar nela, mas como não caberia, ficava apenas olhando pra dentro da grande bolsa, quase vazia, fingindo procurar algo grudado e costurado lá dentro, ganhando tempo. O que não conseguia disfarçar era a inquietação, a agitação de estar naquela presença, tão instigante, tão, de fato, presente, que ao mesmo tempo, era tão distante, não lhe cabiam palavras nem pra falar sobre o clima, nem sobre nada, só dizia ‘vigésimo’, uma palavra que representa apenas um número, um andar, e represava tantas outras que se queria dizer.
Mas era loucura, como poderia ela, dizer algo que sentisse a um desconhecido, algo que sentisse por este desconhecido, como? Apesar de parecer bem moderna, Luiza era mais próxima do tradicional, nunca chegaria num homem pra dizer o que sentia, nunca chegaria em Pedro, como constava no crachá, pra dizer que pensava nele em momentos que não se restringiam a hora de dizer “vigésimo”, pra dizer que sonhava em beijá-lo e que gostaria de conhecer melhor aquele sorridente rapaz, mas nunca faria isso, era demais pra sequer pensar.
E assim ficariam, até ela ou ele mudarem de emprego, ela sem chance, ele sem coragem, pois afinal, como poderia ele se dirigir assim a uma mulher tão importante? Não daria certo, achava ele, eles eram de “andares” diferentes nessa vida.

Rosa Panerari

04 fevereiro 2008

Coletivos

Duas portas que não se abrem -
Em dois caminhos que se imaginavam,
Que se supunha estarem certos.

Dois lugares a que se destinam
Em opções que tanto não se alcançavam,
Que podiam chegar mais perto.

Dois olhares que se encontram
Em medos que tanto se prolongavam
Que não os deixavam ser vistos.

Rosa Panerari


Centímetros

Tenho vida
Em tudo em que me meço
Sou meu sonho
Naquilo em que me excedo
Sou vazio
Quando sinto medo –
Tardo, somente,
Em ver que é cedo.

Rosa Panerari

Pelas ruas do Rio

Respiro a sua arte
O seu povo, o seu cheiro
As suas calçadas tão lindas
O chão do meu Rio de Janeiro

O olhar de quem parte
Se despede mareado
Deslumbrado pelo horizonte
Deste lugar abençoado

Quem conhece sempre volta
Olha tudo à sua volta com olhos de quem não viu
Um olhar maravilhado,
Os pés colados querendo ficar no Rio.

Mas a alma de quem o sentiu
Nunca parte e nunca se vai
Fica no abraço do redentor
E nessa beleza que nunca se esvai.

Polak / Rosa Panerari


Rio poesia

É impossível não se encantar
A cor do céu, a cor do mar
Suas montanhas a enfeitiçar
As maravilhas daquele lugar!

Respiro e rio
O ar que chega do mar
Arpoando nas pedras
Entre a água e o sal, entre o bem e o mal.

Na beleza natural que reside na cidade
Na magia descomunal que nos traz felicidade
No balanço das ondas, no balanço do quadril
No gingado da mulata, nesses sambas do Rio.

O calor entre poucos panos
O sol se pondo na pele
A beleza que não se nega
E se entrega a quem passa por lá

Lá por aquelas pedras
As pedras do arpoador
Paisagem de vida pra alma
É o fim do caminho pra dor

De braços abertos
Do centro pra Lapa
Um mar de abraços
Pra lá de onde eu rio.

Polak / Rosa Panerari


Infinito

Visualizo
Formas invisíveis
Palpáveis
No infinito.

Viabilizo
Acessibilidades remotas
Intrincadas
Num labirinto.

Verbalizo
Meias-verdades
Eternizadas
No não-dito.

Rosa Panerari